quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

MEMORIAL DE LEITURA

              MEMORIAL DE LEITURA

Nasci e vivi parte de minha vida no interior do Distrito Fortaleza dos Valos (hoje emancipado) que pertencia na época ao Município de  Cruz Alta – RS.
Iniciei minha vida escolar na Escola Rural Isolada Leopoldo Meinen, localizada na sede do Distrito.
Meus pais, agricultores, trabalhavam de sol a sol na lavoura. Sendo que minha irmã e eu íamos à escola, às 7h da manhã, com o ônibus que fazia o transporte intermunicipal, e retornávamos, ao meio-dia, a pé, percorrendo diariamente 8 quilômetros até nossa residência.
Minha mãe, nos finais de semana costurava e nos colocava ao seu lado, ensinando-nos as letras do alfabeto e fazendo-nos encher linhas.
Quando entrei na 1ª série existia duas turmas de 1º ano; o A e o B – o A era dos alunos que não haviam tido contato com as letras. Fui logo promovida para turma mais adiantada.
Vivíamos e transpirávamos no país, a Ditadura Militar, sendo que meus professores eram extremamente tradicionais e ficavam centrados somente nas cartilhas e livros didáticos (Nossa Terra, Nossa Gente), que os pais precisavam comprar para que seus filhos pudessem acompanhar as lições desenvolvidas, então o que líamos eram os textos apresentados nesses livros. Não havia estímulo para que lêssemos, Graças a Deus que minha mãe me transformou numa leitora.
Cursei do 1º ao 5º ano na mesma escola e adorava declamar poesias.
Lembro que minha mãe era fissurada  em radionovela e lia revistas de fotonovela (Capricho, Contigo...); quando aprendi a ler, me tornei exímia leitora de fotonovelas e gibis.
Minha mãe quando ia para a cidade (Cruz Alta), comprava gibis novos do Tio Patinhas, Pato Donald, Zé Carioca, Luluzinha e nós trocávamos com outros colegas de escola que também tinham o hábito de ler gibis.
Nos finais de semana, deitávamos em uma sombra e lá esquecíamos da vida lendo Tio Patinhas e sonhando em ser milionária como ele.
Quando terminei o 5º ano fiz o Exame de Admissão ao Ginásio; passei, mas meu pai não queria que eu saísse de casa. Para minha frustração, fiquei dois anos sem estudar.
Em 1970, abriu uma escola próxima de minha casa e eu repeti o 5º ano só para poder relembrar o que já havia estudado.
Em 1971, depois de gastar muita saliva e argumentar muitíssimo, convenci meu pai a me deixar ir para um colégio de freiras para poder fazer o ginásio.
Meu padrinho, que morava próximo de minha residência, tinha uma filha que era Irmã Franciscana, conseguiu vaga em um convento, no Município de Caiçara – RS.,  para duas filhas dele e para mim. 
Lá fomos nós morar à 350 km de casa.
Trabalhávamos no convento e à tarde íamos para o Ginásio.
Fiquei por um ano lá e em 1972 consegui vaga em um Colégio de Freira em Cruz Alta.    Neste, eu trabalhava na portaria  e nos finais de semana era tranquilo, então podia ler, bordar, fazer flores, enfim foi nesta época que li “O Pequeno Príncipe de Antoine de Sant-Exupéry”, “Meu Pé de Laranja Lima de José Mauro de Vasconcelos” “ O Eco de uma Frase, que contava a história de uma menina que se tornou freira...”. A Biblioteca do Colégio ficava perto da portaria e como eu tinha a chave dela, vivia bisbilhotando e pegando livros para ler.
Deste período de minha vida o livro que mais me marcou foi “O Pequeno Príncipe”, principalmente na passagem que retrata o encontro da raposa e do príncipe, onde ela fala de cativar e o pequeno príncipe não entende então, ela explica o significado do verbo cativar que é “fazer amigos”...
Um dia deste folheando uma revista do Avon me deparei com o Pequeno Príncipe e encomendei para meu neto que está lendo o mesmo.
No Colégio Santíssima Trindade, onde estava interna, conheci as Irmãs Paulinas que possuem uma Editora, em Porto Alegre e fiquei vislumbrada, doidinha para ir embora com elas e trabalhar em meio aos livros, mas fazia-se necessário que eu terminasse o Ginásio.
Nesta época, minha professora de Português era minha tia; como precisei fazer uma cirurgia, saí do internato e fui morar com ela, que é a grande responsável por eu ter me apaixonado pela Língua Portuguesa.
Em 1974, casei e em 1978 fui convidada para fazer parte do quadro do Magistério, em uma escola nova, no interior de Cruz Alta.
Abracei o convite e permaneci lá por 10 anos.
Em 1987, Fortaleza dos Valos se emancipou e fui convidada a trabalhar em uma escola da sede do novo município, porém eu só possuía o ginásio, fazia-se necessário que eu retomasse meus estudos, mas isso só veio a acontecer em 1990, quando fui a Santo Ângelo, na Universidade Regional Integrada - URI, fazer o Magistério de Férias.
Era complicado, pois eu já tinha meus três filhos e deixá-los durante a semana nas mãos de estranho era tenebroso. No início, eu mais chorava do que estudava. Foi no Apê que alugávamos, minhas colegas de município e eu, que nasceram meus primeiros poemas; escrevia-os como forma de desabafo, registrando-os em um caderno. Morava conosco nesta época, uma colega de Porto Xavier, que possuía conhecimento em Parapsicologia e que me incentivou a lançar um livro.
Em janeiro de 1991, me formei e em 1992, lancei meu primeiro livro de poemas intitulado “Descobrindo Horizontes”.
Em 1993 prestei vestibular na UNICRUZ para LETRAS; passei em 3º lugar, com nota máxima em Redação, sendo então convidada para cursar Direito, porém minha aspiração eram outra, eu queria Letras. Mas eu contava com outros obstáculos; a universidade era  particular; não tinha como bancá-la com o salário que eu recebia mesmo trabalhando o dia todo; outro problema era meu marido que não admitia que eu saísse todas as noites para estudar; Mais uma vez pude contar com outra tia que era professora da UNICRUZ, que me estimulou a fazer a matrícula e depois entrar com o pedido do crédito educativo; assim procedi e com muitas ameaças de meu marido iniciei meu curso, recebendo apoio de minha sogra que tomava conta das crianças, pois morava no térreo da casa deles.
Durante o curso, li muito, pois meus professores de Literatura Brasileira e Portuguesa exigiam a leitura de inúmeros clássicos literários, durante cada bimestre; eu lia no ônibus, pois percorríamos 120 quilômetros todas as noites para irmos à faculdade. Lia na rua ( indo para a escola), as pessoas passavam por mim e me chamavam de maluca, dizendo-me que uma hora eu ia ser atropelada, mas se não os lesse, seria atropelada pela minha professora.
Em 1996, lancei meu segundo livro de poemas, intitulado “Luzeiro do Amanhecer” e no final deste mesmo ano me formei, considerando-me uma vitoriosa.
No decorrer de 1996, devido a vários problemas familiares, entrei em depressão e fui auxiliada por minha mana que é espírita e que reside em Santa Maria – RS. . Minha mãe levou-me para lá, onde fiz tratamento espiritual e me tornei uma estudiosa da doutrina de Allan Cardec; foi aí que entendi o sentido da vida e o porquê de estarmos aqui e passarmos por provações. Desde então, virei uma exímia leitora das obras espíritas, sempre tenho um livro de cabeceira, que leio todas as noites um ou dois capítulos e estimulo meu neto a ler também.
Entre tantos livros que já li, os mais recentes e que gostei muito foram a “Menina que roubava livros”, “O Vendedor de sonhos”, “O vendedor de Sonhos e a Revolução dos Anônimos”, “O Monge e o Executivo” e recentemente encomendei “A menina que não sabia ler”.
No ano de 2000, lancei meu terceiro livro de poemas, intitulado “Renascer”.
Como professora,  sempre incentivei meus alunos a lerem e a produzirem textos; em virtude disso,  em 1992, minhas turmas de 5ª e 6ª séries da Escola Municipal 18 de Abril, de Fortaleza dos Valos, lançou o Livro “ Recriando as Histórias de Pedro Malasarte”. Isso foi um evento e um acontecimento. Pois a RBS esteve na escola para entrevistar-me e filmar os alunos encenando uma das histórias escritas.Viramos celebridade, com direito a divulgação no Fantástico. Na época, um historiador português, que estava em João Pessoa, justamente fazendo pesquisa sobre Pedro Malasarte, ligou para a escola pedindo um exemplar do livro.
Em 1996, duas alunas minhas da 8ª série lançaram o livro de poemas “O Desabrochar da Adolescência”.
Nestes 33 anos de vida dedicados ao Magistério, sempre procurei e procuro semear em terra fértil a sementinha da leitura e da produção de texto e me sinto lisonjeada quando vejo meus alunos bem sucedidos e a maioria deles formados em um curso superior.
Ler tornou-se meu hobby. Dispenso qualquer programa por um bom livro.

SoniaVon Grafen
Tutora do Gestar II
Rede Municipal e Estadual de Maracaju – MS.
Maracaju,12 de janeiro de 2011.


3 comentários:

  1. Sônia, adorei o texto. Intenso como você e sua história, aliás ele é parte dela. Tá explicado o motivo de ter e fazer sucesso com seus alunos, pois alguém, muito sabiamente, plantou direitinho, lá no passado,a semente em você: terreno fértil pronto pra se deixar germinar palavras. Bjss

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  2. Sônia, lindo texto, pelo pouco que convivemos ele se mostra intenso e cheio de curvas, estradas e montanhas como a história de sua vida. É justamente por ter sido tão encantada pela leitura desde cedo que consegue tantos aplausos com e por seus alunos. Ler as memórias alheias desperta em nós as nossas. Também sempre gostei de desabafar, registrar, chorar através de palavras colocadas em cadernos, diários, aberturas de caderno um tanto igual a você. Quem sabe vem daí e de outras desconhecidas algo bom que nos aproximou. Um beijo e fique você e todos na paz do Senhor.

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  3. Sua história é muito linda!

    Adorei conhecer um pouco mais sobre você.
    Um grande abraço

    Tamar Rabelo

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